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Não comerás como antes

A revolução da comida disruptiva promete mudar não somente o que comemos, mas pode transformar os pilares que regem a indústria de alimentos, a pecuária e o agronegócio bem mais cedo do que imaginamos

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Uma nova revolução está em curso e promete transformar a indústria de alimentos e da agropecuária, talvez em menos de duas décadas.

Sabemos que as transformações digitais em série tiraram para sempre os discos e CDs da estante e obrigaram a indústria fonográfica a se reinventar.

A indústria automotiva se debruça sobre os efeitos da sociedade uberizada e redesenha seus próximos passos com carros elétricos, autônomos e drones automotivos pelo ar.

A febre de aplicativos de bikes e patinetes aponta para a chegada de uma nova geração decidida a desembarcar do sonho de ter um carro e do desejo de dirigir.

Os smartphones transformaram não apenas o telefone fixo quase em enfeite, mas já obrigam até potentes emissoras de televisão a repensar suas telinhas e modelos de negócio, isso para citar apenas um aspecto.

Testemunhamos uma série de mudanças de crenças, valores e certezas.

Qual será a próxima onda disruptiva?

Possivelmente ela acontecerá pela boca.

Ou em torno de todo o modelo que existe hoje para alimentar você.

Não comerás como antes.

E não produzirás alimento da mesma forma que se faz hoje.

Em questão de décadas, o que soa agora como um mandamento bíblico, pode fazer todo sentido.

A produção de tudo o que se come hoje pode ser muito diferente em um futuro não muito distante.

O setor econômico que gira ao redor da circunferência de um prato de arroz, feijão, alface, batata, tomate e carne, entre uma garfada geracional e outra, sofrerá impactos estruturais.

Chegou a hora de discutir o que a comida disruptiva e toda a sua fascinante tecnologia fará com o modus operandi da indústria agropecuária e com a próxima etapa do agronegócio, quando a produção de bifes de laboratório ganhar escala e se tornar mais acessível, por exemplo.

Será que, nas próximas décadas, a sua carne suculenta saboreada na hora do almoço ainda vai depender da criação de gado para o abate, como sempre funcionou no modelo tradicional da indústria da pecuária?

Isso pode parecer ficção científica ou um delírio utópico, mas já existe.

A produção industrial de carnes não dependerá da criação de gado de corte nem de matadouros mais cedo do que imaginamos.

Produzir carne cultivada em laboratório a partir da multiplicação de células em vez de criar animais inteiros para abatê-los já é uma realidade e um tema presente no debate mundial.

O primeiro hambúrguer cultivado surgiu em 2014.

Seu custo era cerca de US$ 300 mil e hoje o preço já é US$ 11.

Com pesquisas e produção em escala industrial num futuro que talvez não demore tanto a chegar, a carne cultivada em laboratório pode vir a ser mais barata que a atual.

Além disso, poluiria muito menos do que nos moldes tradicionais e seria sustentável.

E ainda evitaria submeter animais ao sacrifício e à morte.

A discussão tem ganhado espaço.

Entre suas “21 lições para o século 21” e os grandes temas da atualidade, o historiador israelense Huval Noah Harari, autor dos best sellers mundiais “Sapiens – Uma breve história da Humanidade” e “Homo Deus”, já fez a provocação: “Por que gastar tanto dinheiro criando uma vaca inteira quando você pode fazer crescer um bife?”

Há grande expectativa em torno de novas tecnologias que sustentem o crescimento econômico sem destruir o ecossistema.

Para produzir um quilo de carne, é necessário gastar pelo menos 15 mil litros de água doce.

Produzir carne gera muito mais poluição e emissão de gases de efeito estufa do que a mesma quantidade equivalente em vegetais.

PhD pela Universidade de Oxford, Harari põe a pecuária em xeque.

Sustenta ainda que, julgada pela quantidade de sofrimento que produz, a pecuária moderna é, provavelmente, um dos piores crimes da história.

Ele frisa que bilhões de animais são tratados como máquinas pela indústria da carne, laticínios e ovos e não como criaturas vivas capazes de sentir dor, angústia e ansiedade.

É fato que ignoramos que a indústria de laticínios é baseada no rompimento de laços afetivos entre mães e filhotes.

Para produzir leite, uma vaca precisa dar à luz um bezerro, que é abatido antes da ordenha.

O processo provoca dor e agonia a milhões de animais.

Independentemente das polêmicas e sem partir para radicalismos, a verdade é que o debate está em pauta e segue forte nas discussões mundiais sobre consumo consciente.

O agronegócio é um motor importante do Brasil e precisa se preparar para o futuro.

O mercado se robotiza, a agricultura 4.0 e a tecnologia avançam na produção de insumos que agridam menos o ecossistema, em gestão e nas frentes digitais para garantir volume de produção.

Mas, eis a questão: como lidar com a chegada da comida do futuro?

É questão de tempo, mas a mudança do sistema em vigor faz parte de um processo irreversível.

Além da carne vegetal e da carne desenvolvidas a partir de células troncos, estamos diante do leite sem vaca, do porco transgênico, do trigo sem glúten, do tomate geneticamente modificado, da batata frita saudável, da soja que sangra a partir de inovações químicas, do atum feito de soja não transgênica e o que mais chegar.

O leite vegetal, por exemplo, só deve entrar no mercado em alguns anos.

Mas há empresas e pesquisas dedicadas a usar bactérias e leveduras geneticamente modificadas para fermentar o açúcar e criar um liquido com proteínas que dão ao leite suas características.

Outras startups apostam em inteligência artificial para acertar a proporção para reproduzir o leite com ingredientes de origem vegetal.

Os mercados e o volume de produção ainda são, obviamente, incomparáveis.

No caso da carne de laboratório, por exemplo, já foi noticiado a expectativa é que as vendas cheguem a 20 milhões de dólares até 2027.

Para o mercado mundial de carnes é um numero ínfimo.

Mas a tendência é de crescimento.

É preciso lembrar que indústrias diversas que acreditavam na força de seus pilares de sustentação não conseguiram se reinventar foram surpreendidas pela onda disruptiva.

É como a velha história do sapo vivo numa panela em fogo brando aproveitando o calor agradável da água morna.

Até que a água ferve e o sapo não tem mais tempo de pular para fora da panela.

A nossa indústria está atenta e pronta para a nova era alimentar?

Saberemos quando chegarmos lá.

Que venha o admirável mundo novo da comida impossível.

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